Cidade de Deus, filme dirigido por Fernando Meirelles e baseado no romance de Paulo Lins, teve grande destaque no cinema brasileiro e visibilidade no cenário internacional.
Ao nos depararmos com o título do filme “Cidade de Deus”, nos remetemos quase que instantaneamente a figura de Deus e, consequentemente, a toda uma crença religiosa. No entanto, esta percepção se desfaz no decorrer da narrativa e concomitantemente nos faz perceber que estávamos caminhando em sentido contrário a proposta do filme, que estávamos seguindo um caminho que se opunha a percepção real (atribuída pelo diretor) aos personagens e ao próprio enredo do filme.
Situações do cotidiano de moradores das favelas, tiros, mortos e feridos, assaltos, pobreza, preconceitos; corrupção. São essas as principais temáticas abordadas no filme.
Ao observarmos Cidade de Deus seríamos instintivamente impulsionados a questionar: “Onde está Deus?”, assim, sob esta perspectiva, o título do filme causa-nos certo estranhamento. É quando percebemos que o título constitui o nome do lugar em que a narrativa se desenvolve. Um lugar que fica longe do cartão postal do Rio de Janeiro e das pessoas que lá vivem. O filme vai além dos muros da favela, da cidade e do Rio de janeiro.
Ele atravessa fronteiras assemelhando-se a realidade de muitos brasileiros, de modo a retratar, principalmente, a pobreza, sua tristeza, sentimentos de vingança, desilusão.
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O filme começa nos anos 70. Mas, Buscapé vê a necessidade de retornar ao seu tempo de criança, mas precisamente os anos 60, revelando-nos fatos e desvendando segredos através da lembrança. Assim, remete-nos à história de Cabeleira e consequentemente a história do Trio Ternura, composto por Alicate, Cabeleira e Marreco.
Buscapé e Dadinho retratam a vida na Cidade de Deus, e sob o olhar de Buscapé juntamente a uma câmera fotográfica torna conhecida à favela para além de suas fronteiras físicas.
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Ao assistir Cidade de Deus, percebemos que apesar de parte dos personagens ser composto por crianças, é notória a ausência de brinquedos e de materiais lúdicos referentes à esta fase da vida, em contraposição à quantidade de armas e a violência presente na vida destas crianças. São pequenos “meninos-homens” (expressão usada por uma das crianças ao se considerar capaz de fazer parte de uma das gangs.) que perderam ou nunca tiveram a docilidade, pessoas que se reconhecem como criminosos, como ser vivente de uma escola da “vida” do crime com evolução gradativa e influências “teóricas e praticas”. Assim, estes meninos-homens passam da ignorância ao conhecimento do crime, inclusive das mais severas e perigosas “leis”, que representam na “guerra” condições de sobrevivência.
A Cidade de Deus nos faz enxergar, mesmo que através de uma tela, a outra realidade que talvez não conhecíamos com tanta intensidade. Assim, o filme revela-se como uma fotografia nunca antes vista, evidenciando suas cores, traços, linhas, além de atribuir à máquina fotográfica a capacidade de registrar momentos, além da representação significativa que detém.
Fernando Meirelles não nos apresenta apenas uma história de crimes, mas mescla no desenrolar da trama uma relação de uma amizade entre Zé Pequeno e Bené, marcada pela sinceridade e fidelidade que não são abaladas apesar do trágico fim que tem Bené. A nós telespectadores resta-nos assistir à lembrança destes dois personagens.
Cidade de Deus é um filme real, com fatos reais, “pessoas reais” e cenário real que constitui incrível verossimilhança com a realidade. Fernando Meirelles na tentativa de nos aproximar da realidade nos adentra nas emoções vividas, das dores e dos medos sentidos, mesmo que não estejamos submetidos aos reais riscos apresentados no filme, mas que minimamente nos leva a conhecer e surpreender com as características da Cidade de Deus.