Era uma manhã de sol. Posicionei minhas mãos num ângulo de 90° com o corpo e o ônibus parou. Subi. Estava sentada na cadeira alta do Clima Bom Trapiche quando uma senhora que estava logo atrás de mim me perguntou:
– Ô minha fia, seu cabelo é de que cor? O nome dela era Madalena. Aparentemente, tinha uns oitenta e poucos anos. Seus fios eram pratas.
Voltei o corpo em sua direção e respondi:
– É castanho, só que eu dei luzes pra deixar mais claro. Meu cabelo estava preso, um rabo de cavalo.
– Ahhhh, disse ela, levando as mãos aos cabelos. Antes eu não queria pintar não, mas agora ele tá tão branco que eu quero. Queria assim como o seu. Acho que vou lá no salão perto da minha casa.
A simpatia de Madalena era equivalente à altura de sua voz. Todos no ônibus podiam ouvi-la.
Do cabelo branco, ela voltou à época em que seu cabelo era loiro – muitos anos atrás. Falou de quando morava em São Paulo e trabalhava em casa de família.
– Ô menina, eu morei muitos anos em São Paulo, sabe? Conheço tudo lá. Trabalhei numa casa de gente muito boa, casei, tive filhos…
– E foi?, perguntei.
– Foi… mas depois passei muita necessidade.
[A senhora alegre e ansiosa por pintar o cabelo mudou]
– Eu sofri muito. Casei, tive filhos, separei. Foi um momento muito difícil. Foi aí que uma família pediu pra criar um filho meu. Eu dei a eles. Achei que ia me ajudar, mas parece que foi um atraso na minha vida. Será que foi castigo? Hoje eu tô muito pior.
Com os olhos cheios de lágrimas e apontando o dedo polegar pra cima, Madalena disparou:
– É por isso que eu odeio sexo. É isso que dá esse negócio da carne.
Nesse momento, olhei para algumas pessoas que estavam mais ao fundo no ônibus e vi que algumas riam. Não entenderam a angústia de Madalena, que perdura até hoje. Para aquela senhora, o sexo era fonte de todos os seus males. Ela não atribuía seus problemas à falta de estudos, de dinheiro, governo, nada disso. Só ao sexo.
Assim como a cor dos cabelos, o sexo descoloriu a vida daquela mulher.
Pouco tempo depois, ela chegou ao destino e desceu.
3.961 Comentários
Tão simples, mas tão profundo. Parabéns. Você escreve muito bem. Incrível.
Um conto real.